quinta-feira, 25 novembro 2021 12:59

Chris Goodall defende economia de carbono zero

Laureado com vários prémios e louvores pelos livros que assina, o empresário e escritor britânico Chris Goodall defende que o caminho para a sustentabilidade das sociedades e das empresas passa pela transição para a economia de carbono zero. Em entrevista, o especialista explicou quais os trilhos a cruzar rumo a um futuro sustentável, sustentando que o retalho tradicional só sobreviverá se inventar modelos de negócio integrados numa economia de baixo carbono.

“What we need to know: For a Zero Carbon Future”. O que precisamos saber? Em inglês, é o título que Chris Frank William Goodall deu a uma das suas mais recentes obras (2020), na qual delineou os percursos que o Reino Unido precisa tomar para atingir a tão almejada neutralidade carbónica em 2050. O empresário falou desse e de outros temas relacionados no painel “Retail DNA: Sustainability” da APED Spring Conference e, em entrevista à Store, ressalvou a necessidade de Portugal não perder o comboio da sustentabilidade e das energias renováveis e as respetivas implicações no mercado retalhista.

Formado em St. Dunstan’s College, da Universidade de Cambridge, e com MBA da Harvard Business Scholl, o autor britânico, de 65 anos, antevê alterações cruciais na sociedade europeia nos anos vindouros no âmbito das energias renováveis.

“A primeira mudança passa, naturalmente, pela passagem para um sistema elétrico totalmente neutro em carbono. Não falta muito para que a maior parte da rede elétrica europeia tenha proveniência do vento e do sol. A seu tempo, acredito que estas fontes irão fornecer a nossa energia a 100 por cento, complementadas com o hidrogénio renovável. Mas essa é apenas a primeira alteração que vamos testemunhar”, começou por explicar Goodall, cujo primeiro livro, “How to Live a Low-Carbon Life”, lançado em 2007, foi galardoado com o Prémio Clarion de não ficção.

“Perante a implementação destas energias, vamos ver, seguramente, impactos substanciais na agricultura, nas indústrias do cimento e do ferro e a respetiva gestão do desperdício. Usando a eletricidade, vamos transformar praticamente todo o transporte terrestre, tal como o aquecimento durante o inverno. O hidrogénio será utilizado para atingir altas temperaturas na indústria, ajudando a equilibrar o sistema de fornecimento elétrico”, sistematizou ainda o empresário.

Portugal precisa da descarbonização o quanto antes

O hidrogénio será, segundo o escritor britânico, o “centro de toda a transição energética”. É, defende Goodall, “a melhor forma para assegurar que os vastos sistemas de eletricidade possam coexistir” com as mais variadas produções de energia eólicas e solares. “Quando a oferta é abundante, mas a procura escassa, o excesso de eletricidade será usado para operar em eletrolisadores que separem a água em oxigénio e hidrogénio. Este último poderá ser armazenado e, posteriormente, usado para produzir energia, provavelmente usando as turbinas de gás tradicionais, para quando o fornecimento puder revelar-se insuficiente”, esclareceu o empresário que, em 2011, foi pioneiro na primeira instalação fotovoltaica numa quinta de múltiplos proprietários designada de Eden Project.

“Muitos investigadores sugerem que o hidrogénio pode ainda ajudar na descarbonização de vários setores da nossa economia cuja transição para a eletricidade não se perfila fácil. Estamos a falar de transportes de mercadorias de longa distância e ao nível da aviação. Espero que a resposta a cerca de 20% da procura de energia mundial, a meio do século, tenha resposta no hidrogénio”, sustentou, exemplificando casos antagónicos no Velho Continente, de forma a salvaguardar as dificuldades aparentes para que as suas teorias cheguem à prática: “Apesar de países como a Alemanha tenham despertado para o desafio das transições energéticas através do uso hidrogénio, outros países nem por isso. O Reino Unido, por exemplo, tem ainda um longo caminho a percorrer”, advogou.

Portugal também se comprometeu a chegar a 2050 no grupo dos países neutros em carbono. No entanto, apesar das intenções de acompanhar a vanguarda da sustentabilidade, o país encontra-se, de acordo com o parecer de Goodall, fora do mapa europeu do sistema de condutas que podem vir a ser usadas para a distribuição da rede de hidrogénio. Facto que leva o especialista a deixar um conselho se o País quiser cumprir os prazos vanguardistas: “O hidrogénio é tão importante para Portugal como para outras partes da Europa. É de bom senso que o País se integre neste sistema de condutas. Vai ajudar Portugal a chegar mais depressa à descarbonização e a um custo mínimo”, ressalvou.

Retalho tem papel positivo

Os gases emitidos na agricultura e pecuária são uma das preocupações amplamente dissertadas por Chris Goodall que, embora considere o setor um problema - “O impacto da agricultura no clima é, na generalidade, desvalorizada”, advoga -, também acredita ser nele que reside uma das soluções que, a seu ver, passa pela extinção do consumo de carne.

“A realidade é que cerca de um quarto da emissão de gases de efeito de estufa deriva deste setor. Principalmente, a produção de carne é responsável pelo impacto do metano, óxido nitroso e CO2 na agricultura, não obstante a importância do cultivo de cereais. Quase de certeza que o mundo vai ter de se afastar do consumo de carne rumo a uma dieta baseada em produtos 100% oriundos da terra. Por todo o globo, já começamos a ver uma geração jovem a caminhar nesta direção”, salientou que antevê a “possibilidade de uma rápida transição para uma dieta baseada em grãos, vegetais, frutas e leguminosas”.

A agricultura industrial e a fabrico de alimentos em larga escala, garante Goodall, “já causaram danos incalculáveis para os ecossistemas mundiais e, consequentemente, para a saúde das pessoas”. O empresário britânico lembra ainda que o “aumento da obesidade, os micronutrientes deficitários exigem que o “mundo rico” altere rapidamente os hábitos alimentares para alimentos não processados”, admitindo que o caminho a trilhar “não vai ser fácil”. Todavia o preço a pagar será demasiado elevado: “As consequências, caso não o façam vão ser desastrosas”, apontou, com veemência.

Há um preço a pagar no retalho? Chris Goodall não o nega, mas também acredita que o setor tem “um papel muito positivo” no encontrar das soluções. “Tal como no vestuário, os retalhistas alimentares ter de operar mudanças se quiserem vender alimentos que não só sejam bons para a saúde, mas também para o clima. Como sempre, terá de haver um equilíbrio delicado. Os retalhistas não vão conseguir alterar os hábitos dos consumidores do dia para a noite. Mas as lojas podem ter um papel muito positivo, encorajando a transição para uma dieta sem alimentos altamente processados e outros que têm por base a carne”, justificou, alegando que “os espaços comerciais existentes precisam de fazer parte de uma economia circular, focada na “reparação e na reutilização”.

Chris Goodall advoga que esta tendência não tem, necessariamente, que colocar em risco postos de trabalho, tanto no setor alimentar, como do vestuário, e dá exemplos de insígnias que já estão a implementar medidas e com sucesso. “Já vamos vendo experiências importantes, em particular da parte da H&M que está em processos de reciclagem em larga escala individualmente nas lojas. As peças de roupa devolvidas são colocadas numa máquina e refeitas em fatos completamente novos. Uma vez mais, isto vai ajudar a manter salvaguardados os postos de emprego, ao mesmo tempo que minimiza o uso de novos recursos”, aludiu.

O autor é um estudioso da sustentabilidade em vários níveis. O equilíbrio entre estes novos modelos de negócio, que garante serem a solução para o futuro, e a taxa de emprego foram pensadas pelo catedrático britânico que apela à imaginação para a sobrevivência do retalho. A pandemia e o consequente confinamento aceleraram as tendências e, na sua opinião, o futuro com sucesso caminha no sentido “da partilha e das subscrições” ao nível da economia. “O retalho convencional só vai sobreviver se inventar novos modelos de negócio que possam integrar-se nesta vindoura economia de baixo carbono. Sinceramente, a maior parte das cadeias parecem-me estar muito longe de encontrarem soluções para a subsistência do seu negócio uma vez que a economia circular esteja a funcionar em toda a sua plenitude”, argumentou.

 

Este artigo pode ser lido na íntegra na edição impressa da Store.

Fonte: Store

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