segunda-feira, 06 junho 2022 14:51

Ana Paula Barbosa: Consumidores redefiniram prioridades

A retailer services director da Nielsen, Ana Paula Barbosa, analisa as principais tendências de consumo para este ano à luz do estudo “2022 Consumer Outlook”, da NielsenIQ. Fica a mensagem de que, atendendo a que os hábitos de compra foram impactados pela pandemia e as prioridades dos consumidores também mudaram, o setor do retalho tem de corresponder a este novo cenário.

À medida que entramos no 3.º ano sob a influência da pandemia, existem sinais que mostram que o mundo se está a preparar para uma abordagem endémica da Covid-19.  Enquanto os governos devem decidir quando será a melhor altura para oficialmente “viver com Covid” sabemos que os shoppers foram seguindo o seu próprio caminho nos últimos meses, apresentando já comportamentos que nos permitem perspetivar algumas tendências de consumo.

Depois das sucessivas dirupções ocasionadas pelo contexto em que vivemos, os consumidores redefiniram as suas prioridades e procuram experiências de compra e produtos de acordo com estas novas prioridades. No recente estudo da NielsenIQ “2022 Consumer Outlook” vemos que 74% dos respondentes a nível global dizem que os seus hábitos de compra foram de alguma forma impactados pela Covid-19. Isto inclui 30% de pessoas que sentem que têm prioridades muito diferentes face à situação que tinham em 2019. Os retalhistas e fabricantes terão de estar atentos a estes movimentos e adaptar a sua oferta a estas novas expectativas.

Podemos, assim, antecipar algumas das tendências que irão marcar o ano 2022:

Não voltaremos à realidade de 2019

2021 foi mais um ano positivo para a indústria e o retalho alimentar. Os bens de grande consumo registaram um crescimento de 3% face a 2020, mas, quando comparamos com o ano 2019, esse valor passa para 11%. Estes valores não são surpreendentes quando olhamos para as perdas do canal Horeca* que são de 25% nos últimos meses do ano 2021 face a 2019. O consumo continua muito mais concentrado em casa, a questão que se coloca agora é saber se voltaremos aos patamares de 2019 com o levantamento das restrições. Não é expectável que isso venha a acontecer. Passámos por dois anos de dirupções, durante os quais desenvolvemos muitas mais rotinas à volta da casa, adaptámo-nos ao teletrabalho e comprámos mais online. Estes novos hábitos vão irremediavelmente alterar a nossa forma de comprar. Por outro lado, a pressão inflacionista que se começa a fazer sentir em Portugal poderá travar os ânimos relativamente ao consumo fora de casa e limitar os efeitos de “revenge spending” que eram esperados no final do ciclo pandémico.

A inflação vai ser uma nova variável a controlar

Se Portugal apresenta uma inflação abaixo da maioria dos países da zona Euro, a verdade é que vamos observando um crescimento constante do índice de preços ao consumidor desde meados de 2021, principalmente na área dos produtos alimentares, com valores que ultrapassam os 3% em dezembro, segundo os dados do INE. Os impactos da pandemia nas cadeias de abastecimento têm sido apontados como os principais responsáveis pelos recentes aumentos de preços globais. No entanto, estes fatores por si só não revelam o quadro completo. Ao mergulhar mais profundamente no cenário atual, existem várias forças subjacentes que sugerem que os impactos inflacionistas deverão manter-se no futuro, a médio e longo prazo.

Para os operadores do setor, será essencial trabalhar a sua imagem de preço fazendo um controlo rigoroso da evolução dos preços do mercado e dos concorrentes, e analisando as elasticidades de preço de forma a otimizar a estratégia de pricing.

O online vai continuar a ganhar espaço no setor do grande consumo

2020 foi um ano de viragem para o e-commerce, que, em poucos meses, cresceu o que se esperaria que crescesse em quatro ou cinco anos. Em 2021, o e-commerce continuou com taxas de crescimento impressionantes, muito acima da média dos bens de grande consumo. E isto aconteceu não só em Portugal – onde o e-commerce tem um peso ainda residual de apenas 2% das compras – como aconteceu também em países como a Coreia do Sul e Inglaterra, que são muito mais desenvolvidos nesta área.

E com o crescimento do e-commerce também cresceu o número de omnishoppers – aqueles que fazem compras online e offline. Em Portugal, são 27%, de acordo com o painel de lares da NielsenIQ. Sabemos que são geralmente shoppers valiosos, com um consumo médio por lar acima da média. Conquistar estes compradores representa uma verdadeira oportunidade. O desafio do online continua a ser a fidelização, ainda que já se note um aumento na taxa de retenção do canal. Os operadores online deverão trabalhar em dinâmicas de fidelização neste canal.

A disponibilidade de produtos vai ser cada vez mais valorizada

A disponibilidade de produtos está entre os principais atributos para a escolha de uma loja. No estudo da NielsenIQ ShopperTrends – em que é feito um ranking de atributos do mais diferenciador ao menos importante para a escolha da loja - vemos que, na maioria dos países em análise, o atributo “one-stop-shop”, ou seja, “a loja tem tudo o que preciso”, aparece no topo da lista. O mesmo acontece com o atributo “a loja tem tudo o que eu preciso em stock”.

Para uma loja online, os atributos disponibilidade e variedade dos produtos ganham também cada vez mais importância nesse ranking. Quando sabemos que este ano vamos continuar a ser confrontados com problemas de abastecimento em algumas categorias, percebemos que este fator vai continuar a ser muito importante para o consumidor. Os operadores do setor deverão assim desenvolver ferramentas para controlar os seus níveis de stocks, minimizar ruturas e procurar alternativas.

 Desenvolvimento do quick commerce

A rápida evolução do e-commerce não resolveu ainda algumas barreiras da compra online, nomeadamente a do prazo de entrega.  O quick commerce tem, por isso, tido uma evolução muito rápida para dar resposta às necessidades mais imediatas dos consumidores. É, até ao momento, a oferta que mais se aproxima da compra numa loja física em termos de tempos, com a vantagem da conveniência associada. Os operadores do retalho e da indústria irão, por isso, desenvolver cada vez mais parcerias com plataformas de entregas, ou, inclusivamente, passar a integrar a modalidade na sua oferta.

A preocupação com a saúde e o bem-estar vai continuar no topo das prioridades do consumidor

Quando perguntamos aos consumidores que áreas vão ser mais importantes para eles em 2022, a saúde mental e a saúde física aparecem nos dois primeiros lugares, ao nível global. Viagens e eventos fora de casa aparecem no final da tabela, sendo menos prioritários.  Apesar de este resultado retratar uma realidade global, podendo assim assumir contornos diferentes em alguns países, permite-nos perceber que os dois últimos anos causaram um impacto estrutural no comportamento dos consumidores. Há que entender as possíveis oportunidades proporcionadas por estas mudanças.

 A agilidade vai ser o fator crítico de sucesso em 2022

Com os sucessivos avanços e recuos nas medidas de contenção do vírus, as dificuldades existentes nas cadeias de abastecimento, o aumento gradual dos preços ao consumidor, e as condições climatéricas desfavoráveis deste inverno, fazer previsões é um exercício cada vez mais complexo. Os consumidores já se habituaram a lidar com o imprevisto. Os operadores do setor também o devem fazer, preparando-se para vários cenários alternativos. A agilidade vai ser crítica para o sucesso das empresas do setor.

*no conjunto de categorias estudadas pela NielsenIQ

Fonte: Revista Store

 

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