Store | Qual o balanço que faz do protocolo CAP/APED?
Ana Isabel Trigo Morais | O protocolo que a APED celebrou com a CAP, há 20 anos, correspondeu a um momento especial na evolução do sector primário e do sector da distribuição.
Em 1995, a distribuição, sobretudo a alimentar – a que mais releva para este tema – tinha as cadeias a organizarem-se, era o início de um grande crescimento e entrada de players muito diversificados no mercado português.
O protocolo veio refletir as necessidades das empresas de distribuição alimentar, que se desenvolveram e que se vieram a instalar em Portugal, de terem uma cadeia de abastecimento local.
Também o enquadramento histórico do sector agrícola é relevante nesta altura, em que toda a cadeia de valor se está a reorganizar. É um tempo em que começa a haver logística e concentração do fornecimento para depois distribuir em redes de loja, em que os pontos de venda do comércio tradicional começam a sofrer uma forte concorrência da entrada dos novos players no mercado e, portanto, também houve a inteligência e a visão dos dirigentes da CAP de perceberem que seria importante aproximarem-se e desenvolverem relações de proximidade com as cadeias de distribuição, porque assim conseguiriam identificar as questões que se lhes colocavam e trabalharem para objetivos comuns.
Em 1995, a produção portuguesa ainda estava a refazer-se e a distribuição foi também uma forma de estimular o investimento na agricultura e, sobretudo, de organizar o setor agrícola, que, na altura, era uma necessidade muito premente para o abastecimento das empresas e dos agentes económicos da distribuição moderna alimentar.
Store | Quais foram as grandes vantagens do protocolo para as empresas de distribuição?
AITM | Primeiro, ter uma via de diálogo aberta com os representantes do sector da produção. Em segundo lugar, esse diálogo ser fora daquilo que são questões de natureza exclusivamente comercial, mas de natureza técnica, de processos de qualidade, de perceção do mercado, de perceção do perfil do consumidor, de partilhar com a produção a forma como os produtos são procurados nas lojas.
No fundo, foi um trabalho conjunto, que orientou a produção nacional para aquilo que os consumidores pediam nas lojas, porque – e nisso está também o pioneirismo deste protocolo – toda esta cadeia de valor era percebida como: temos o sector da produção, da transformação, grossista, do ponto de venda e depois o consumidor. Hoje esta é uma perceção comum, mas na altura a cadeia de valor estava organizada de uma maneira completamente diferente, muitíssimo mais intermediada, o que queria dizer que quem estava no primeiro elo da cadeia estava muito longe de quem, no fim da cadeia, ia ser o principal beneficiado do seu trabalho: o consumidor.
Portanto, um dos aspetos mais positivos que este protocolo trouxe às empresas de distribuição foi essa via de diálogo e capacidade de orientar a produção para o consumidor. E trouxe também uma vantagem para os produtores, porque se assim não fosse permaneceriam longe do final da cadeia de valor e do consumidor: trouxe-lhes partilha de experiências e conhecimento, de dados de mercado, ajudou a produção a organizar-se melhor e a perceber as vantagens dessa organização nas suas estruturas produtivas, de distribuição, de marketing, de controlo de qualidade e logística, e até nos próprios agrupamentos e na forma como a produção se foi organizando para dar resposta à evolução da distribuição moderna.
Portanto, tanto para os agricultores, representados pela CAP, como para as empresas de distribuição alimentar, representadas pela APED, foi um amplo espaço de partilha, troca e trabalho conjunto, que teve os seus momentos, as suas intensidades.
Hoje temos um diálogo muitíssimo aberto, que também resultou do caminho que se foi construindo e da confiança que as partes foram gerando entre si, e que nos permite, com tranquilidade, resolver os problemas, que continuam e fazem parte da natureza do negócio da distribuição e da produção.
Store | E os consumidores, o que ganharam com o protocolo?
AITM | No último dia, a grande vantagem é para o consumidor, que encontra nas lojas aquilo que corresponde às suas necessidades: um produto português, na medida em que o sourcing local é muito relevante para a distribuição, não só porque corresponde melhor ao perfil do consumidor nacional, mas também por uma questão de eficiência. O abastecimento de proximidade é a opção número um que os retalhistas gostam de ter, até porque existe toda uma estrutura organizada ao nível da produção e nas subsequentes cadeias de transformação e distribuição que é fundamental para melhor poder servir o consumidor.
Store | Ao longo destes 20 anos quais foram as principais dificuldades e desafios na implementação do protocolo?
AITM | É natural e acontece não só no início, mas de vez em quando, nomeadamente quando mudam as pessoas – há sempre um território de confiança que dá um certo trabalho a construir, pelo que se faz por aproximação, em pequenos passos. O desafio maior é criar um clima de confiança entre as partes, porque irá ajudar quando se estiverem a discutir os contratos de fornecimento.
Pessoalizar um pouco as relações faz parte desse trabalho de conquista de proximidade, que nalgumas situações poderá contribuir para resolver problemas, que naturalmente surgem, porque é natural que se queira comprar e vender nas melhores condições. A ideia é conseguir encontrar um território em que essas negociações prossigam gerando valor para ambas as partes.
Store | Tanto a produção como a distribuição são hoje muito diferentes de há 20 anos. Em que medida é que a alteração das necessidades dos dois sectores interfere na implementação do protocolo?
AITM | As evoluções que temos sentido no mercado definem aquilo que há de constar no nosso programa anual de atividades. As iniciativas que organizamos acompanham necessariamente o mercado e dão mais valor e tornam mais útil este protocolo, porque há muitas coisas a evoluir e de uma forma muito rápida neste sector.
Store | Grande parte do caminho já foi feita.
AITM | Sim, grande parte do caminho já foi feita, mas estamos a viver um tempo particular, de muita inovação de processos. Do lado da distribuição, temos cada vez mais sistemas de inovação, um aspeto regulatório e de muitas exigências de segurança da cadeia de abastecimento, que têm impacto neste protocolo.
As exigências de qualidade, segurança alimentar, informação ao consumidor, rotulagem e rastreabilidade de produtos são desafios muito grandes, para serem vencidos, por parte da produção, transformação e distribuição. Estamos todos no mesmo barco. Reconheço que nalgumas situações não tem sido fácil darmos uma resposta a todas as exigências que existem neste sector, sobretudo porque Portugal passou nos últimos três anos por um período difícil, de grande ajustamento do poder de compra e estas exigências muitas vezes implicam um investimento dos produtores e das empresas da distribuição.
Mas, com exceção de alguns episódios, não temos um problema de segurança alimentar em Portugal, nem de falta de qualidade na cadeia alimentar e isso deve-se à legislação europeia, mas também os agentes nacionais foram capazes de estar à altura dessas exigências.
Na distribuição, produção e transformação, Portugal está ao nível das melhores práticas adotadas internacionalmente, sobretudo em matéria de qualidade e segurança alimentar, que é uma preocupação muito grande para as empresas, na medida em que uma das principais preocupações dos consumidores é ter a garantia que aquilo que compram cumpre todos os padrões de segurança alimentar e não vão ter nenhum problema de saúde que decorra de uma falha dessa natureza.
Esta entrevista pode ser lida na íntegra na última edição impressa da Store Magazine.
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