segunda-feira, 28 setembro 2015 16:24

“Produção e distribuição compreendem melhor as realidades alheias”

O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), João Machado, assegura à Store que o protocolo estabelecido entre esta entidade e a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) é um protocolo dinâmico. "Não é daqueles protocolos que assinamos e que ficam guardados dentro de uma gaveta", diz. E os resultados são evidentes: hoje, produção e distribuição estão mais próximas, compreendem melhor as realidades alheias e estão mais recetivas a encontrar caminhos comuns.


Store | Que balanço faz dos 20 anos do protocolo APED/CAP?
João Machado | É um balanço positivo, porque é um protocolo que não se limita a delinear uma conjugação de esforços, mas tem ações todos os anos. Temos umas oito ações do protocolo por ano. Multiplicando por 20 anos, dá um conjunto enorme de ações, que têm como primeiro objetivo aproximar ambos os lados.
É um protocolo que permitiu, nalguns casos mais difíceis, limar algumas arestas e ultrapassar problemas que estavam a acontecer no terreno. Fomos mais longe que o protocolo e, para além do conhecimento das pessoas e a vontade de ambas as partes resolverem os problemas, hoje a CAP e a APED têm um código de boas práticas e uma maneira formal de abordar esses problemas quando aparecem. É uma evolução do protocolo, que tem cerca de dois anos.
Há uma evolução positiva no relacionamento entre ambas as partes, embora nestes 20 anos a correlação de forças se tenha alterado muito.
A distribuição tem um peso cada vez maior no comércio de produtos agroalimentares junto dos consumidores. Também houve neste período de tempo alguma concentração do lado da distribuição moderna, que veio alterar a maneira como as pessoas se relacionavam, porque hoje há menos cadeias, mas há mais cadeias nacionais, com mais peso, com centros logísticos no norte, centro e sul.


Store | De que modo é que essa diferença se concretiza?
JM | Hoje, a negociação da maioria dos produtos, com exceção dos perecíveis, é nacional. Depois as entregas é que são, por exemplo, no Porto, ou na Azambuja. Atualmente, há uma presença mais homogénea, com maiores quantidades, mais dificuldades para abastecer todo o mercado e, obviamente, mais retorno.


Store | Em linhas gerais, o que ganharam os produtores com este protocolo?
JM | O que ganhamos todos é aproximação. Compreendemos melhor a realidade de cada um e estamos mais recetivos a encontrar caminhos comuns, que é o objetivo deste protocolo. O que, finalmente, todos queremos é fazer mais negócio.


Store | Outro dos objetivos do protocolo era aumentar o consumo de produtos portugueses. Nesta matéria, a situação é hoje muito diferente.
JM | É muito diferente. Hoje, há essa perceção por parte dos consumidores, em primeiro lugar, porque foi feito um trabalho, não só pela CAP e pela APED, mas por muitas outras entidades, de promoção dos produtos portugueses, tanto na área agroalimentar como noutras, mas na nossa área é muito visível. Somos, aliás, parceiros do Governo no programa "Portugal Sou Eu" para promover os produtos nacionais. Mas, para além disso, houve, ao longo destes 20 anos, a perceção por parte da distribuição de que era preciso promover os produtos e muitas cadeias de distribuição criaram maneiras de discriminar positivamente os produtos portugueses. Foram consciencializações que têm a ver com o caminho que fizemos em conjunto nestes 20 anos. Acredito que, um dia mais tarde, o programa "Portugal Sou Eu" provavelmente absorverá todas essas iniciativas, até porque tem verbas comunitárias e nacionais para grandes programas de promoção.


Store | Que papel teve o protocolo na inovação do setor agrícola e no aumento do investimento?
JM | No âmbito do protocolo fizemos visitas da produção à distribuição e da distribuição à produção, das quais resultou e resulta ainda hoje a identificação de vantagens e problemas nos modos de produção, para poder fornecer melhor e com mais racionalidade os consumidores.
Foi, por exemplo, através deste protocolo que conseguimos uniformizar a caixa para os hortícolas, que até então eram diferentes (em tamanho, materiais, cores, etc.) para cada uma das cadeias, pelo que os produtores tinham que ter stocks de várias caixas e uma logística mais complicada. Para que cada cadeia largasse a sua caixa demorou alguns anos, mas foi um trabalho muito útil, porque hoje temos uma logística muito mais simples e custos mais baixos.


Store | Hoje, a produção está também mais orientada o mercado. Foi através da partilha de informação que o protocolo proporcionou que se conseguiu esse encontro?
JM | O protocolo, promovendo o contato entre as partes, promove a orientação dos produtos para o mercado. Hoje, não passa pela cabeça de ninguém, em perecíveis de prazo curto, como é o caso de hortícolas, produzir sem ter um contrato com uma empresa de distribuição para comercializar, com datas de entrega, quantidades e preços fixados, porque só se produz o que já está vendido. As pessoas produzem hoje aquilo que se vende no mercado, até porque há um relacionamento mais próximo e mais intenso entre a produção e a distribuição e há uma orientação direta nessa matéria.
Por outro lado, também ajudou a evoluir nesse sentido o facto de as exportações terem aumentado exponencialmente, porque os mercados externos são muito exigentes naquilo que se produz e de que forma. Um problema que temos que resolver, mais do mercado externo que interno, mas que pode melhorar no mercado interno, é a certificação. Há produtores que têm, hoje, dez certificações diferentes, uma para cada cadeia de distribuição. Acabam por ter uma imensidade de certificações, que era bom que fossem uniformizadas. É uma área que temos que trabalhar, a nível europeu, porque não faz sentido cada entidade que compra ter especificidades próprias. O que faz sentido é que haja uma segurança e qualidade alimentar garantida para toda a Europa, com padrões de produção europeus e que, portanto, toda a gente aceite a mesma certificação. Infelizmente ainda não estamos lá, mas havemos de lá chegar. Já chegámos à caixa, havemos de chegar à certificação.


Store | E os consumidores o que ganharam?
JM | Os consumidores ganham sempre quando existe uma melhor informação e melhores produtos. Numa primeira fase melhorámos todos os modos de produção e a qualidade dos produtos. Nos últimos 20 anos, melhorámos imenso a apresentação dos produtos. Depois, com o encurtamento de alguns elos da cadeia e com a criação de sistemas mais amigos e menos caros, como é o caso da caixa, claramente os consumidores também ganharam em termos de custo. Os produtos não aumentaram de preço em proporção com o que deviam nos últimos 20 anos.


Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa da Store.


sd@briefing.pt 

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