quinta-feira, 17 maio 2018 14:30

James Bellini: Retalho enfrenta o desafio da personalização

“Retail's journey into the future: Past, Present and The Coming Age” foi o tema que James Bellini, consultor com mais de 25 anos de experiência e conhecido como o “historiador do futuro”, levou ao APED Retail Summit. Em entrevista à Store, afirma que um dos desafios mais relevantes que o setor enfrenta é o da personalização total da experiência de compra, consequência da digitalização.

 

Store | Chamam-lhe “o historiador do futuro”. Revê-se nesta ideia?

James Bellini | Sou historiador de formação – com mestrado e doutoramento –, pelo que tenho um profundo interesse nos assuntos históricos. No meu trabalho enquanto futurista, uso as lições que a História nos dá para perspetivar as tendências de hoje e a possível forma do futuro. Em particular, essa formação e esse interesse proporcionam-se uma perspetiva de como as principais invenções disruptivas podem mudar dramaticamente o futuro – é o caso da impressora, do motor a vapor, do automóvel e por aí fora.
Uma coisa que aprendi foi que nada é realmente “novo” – há sempre alguma coisa do passado que ecoa no mundo de hoje. Por exemplo: acabei de ler um livro intitulado “The Victorian Internet”, do escritor Tom Standage. Ele analisa o impacto da sociedade vitoriana do século XIX na invenção do telégrafo elétrico nos anos 1830, mostrando como este aparelho permitiu que, pela primeira vez, na História, a informação circulasse instantaneamente pelo mundo. O resultado foi o nascimento dos mercados financeiros, pois a informação sobre as taxas de câmbio, os preços das ações das empresas e outros dados importantes estava acessível num instante. Foi uma forma precoce de Internet.

A sociedade está a mudar mais rapidamente do que nunca. A economia e o modo como fazemos negócio também. Mas diria que estão a mudar ao mesmo ritmo?

Não. Um dos grandes desafios que um futurista enfrenta é o conceito de “tempo”. Quando é que determinada nova tecnologia terá impacto na paisagem do dia a dia? Quanto tempo levará até que tenhamos máquinas inteligentes que possam equiparar-se ou até superar os seres humanos?
Uma importante lição da História é que, geralmente, uma inovação leva muito mais tempo do que o esperado a ter um efeito real de mudança. Chamo-lhe “a regra dos 50 anos”: passaram, aproximadamente, 50 anos desde a introdução dos motores a vapor nas fábricas durante a revolução industrial inglesa até que um indivíduo esperto percebesse que o podia colocar sobre rodas e criasse o comboio. Dou-lhe um exemplo mais recente: a descoberta do ADN por dois cientistas da Universidade de Cambridge aconteceu em 1953, mas foram precisos 50 anos para que o Projeto Genoma fosse completado [2003] e para que essa descoberta pudesse ser convertida em avanços significativos na genética.
Noutros campos, no entanto, o ritmo da mudança está a acelerar-se. Foram precisas muitas décadas até que o telefone atingisse uma popularidade de massa, mas neste século as redes sociais precisaram apenas de quatro ou cinco anos, ou até menos, para se tornarem um fenómeno global. O Facebook só tem 14 anos, mas já tem uma base de utilizadores maior do que a população da China...

O modo como fazemos compras está também a sofrer uma transformação profunda. Quais são as principais mudanças que identifica?

Na minha perspetiva, a principal reviravolta é o caminho em direção à personalização total da experiência de compra. A digitalização do retalho está a criar uma nova geração de consumidores que, no limite, esperam fazer corresponder as compras à sua “jornada” individual. Obviamente, entre os retalhistas, as ferramentas analíticas são um motor essencial deste desenvolvimento e esta tendência irá acentuar-se e aprofundar-se no futuro. Mas os próprios consumidores estão cada vez mais informados sobre como podem potenciar o seu poder, através dos motores de pesquisa e comparação de preços, os canais de social media e outras ferramentas digitais. Mas, acredito que a tendência de compra online encontrará limites: para compras “altamente pessoais” como roupas, por exemplo, os consumidores vão continuar a querer um envolvimento no processo também mais pessoal, mais físico.

Diria que os retalhistas estão a abraçar esta nova cultura?

Falando genericamente, penso que estão conscientes de que as coisas estão a mudar, mas ainda estamos no início e o cenário é misto. Em áreas como a alimentação e a moda, por exemplo, o envolvimento do consumidor é um fator crucial, mas em setores mais comoditizáveis, como artigos para cozinha ou jardim – o modelo ainda é muito tradicional.

É expectável que a mudança acelere. Estaremos – consumidores e empresas – perante uma nova revolução?

Sem dúvida que estamos no meio de uma mudança fundamental na paisagem do retalho. Não apenas devido ao impacto das tecnologias digitais no modo como o setor funciona, mas no papel e na relevância das marcas, na emergência de uma cultura de sustentabilidade e na evolução nas localizações do retalho, afastando-se dos formatos de maior dimensão e fora das cidades e aproximando-se de formatos mais locais.

A tecnologia é um dos motores dessa mudança. Estamos a abrir uma Caixa de Pandora no sentido em que poderemos estar a caminhar para um retalho desumanizado?

Esse é um ponto importante. A crescente panóplia de brinquedos digitais, aparelhos, sensores e redes está a tirar o “humano” da equação do consumidor. Como devem as marcas responder a este futuro ambiente pós-humano? O principal é reconhecer que os insights humanos devem substituir a noção obsoleta de insights do consumidor. Os oradores num recente evento da Google “Brand Re:Imagined” acordaram que, num mundo em que o comportamento do consumidor é a moeda, passamos da economia da “atenção” – em que as marcas lutam para atrair a atenção do consumidor – para a economia da “intenção”. Neste novo paradigma, a intenção de compra dos consumidores irá determinar a produção de bens para fazer face às suas necessidades específicas. Como um especialista em marcas recentemente escreveu: “A economia da intenção cresce entre os compradores, não entre os vendedores. Alicerça-se no facto simples de que os compradores são a primeira fonte de dinheiro e já vêm prontos, não é preciso fazer publicidade para os ter”. Por isso, em vez de estratégias de marca motivadas por dados sociodemográficos à moda antiga, os marketeers vão precisar de ler os sinais que chegam da intenção. Muito poucas empresas o perceberam. Mesmo uma empresa digital bem-sucedida como a Google vive da visão os vendedores: as suas receitas provêm quase integralmente da publicidade.

Na essência, o negócio tem a ver com lucro. Estará a sustentabilidade económica em risco? Ou esta metamorfose vai potenciar ganhos?

Precisamos mudar as regras da máquina de gerar riqueza, para uma que trate o planeta como se fosse um recurso único. O que, obviamente, é. Existe uma pegada azul a gerir, sob a forma de economia circular e que exige que abandonemos a abordagem “tomar, fazer, usar, dispor”, da economia tradicional, e a substituamos por um sistema em torno do mantra “produzir, usar, devolver”. Os produtos têm de ser concebidos para serem reciclados e reutilizados. Recursos ociosos ou subtilizados podem ser incorporados de forma mais eficaz no ciclo gerador de riqueza: a partilha pode tornar-se um elemento central na nossa atitude face à vida em comunidade. Afinal, num mundo em que um automóvel típico fica estacionado, em média, 92% do tempo, há melhores formas de usar os recursos finitos do planeta. Há já sinais de que estas ideias estão a germinar. Mas o pensamento “circular” está ainda muito atrasado.

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa da Store.

fs@storemagazine.pt

 

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