Store | As mudanças climáticas e suas consequências parecem ser um assunto distante para a maioria de nós, com exceção dos ativistas. Concorda?
Bertrand Piccard | Infelizmente, sim. Houve um erro na forma como a questão foi comunicada. Ouvimos muito sobre o degelo nos polos e as consequências para as gerações futuras. Essa não é uma motivação para que as pessoas mudem o seu comportamento hoje. Devíamos ouvir também sobre outros aspetos que nos tocam muito mais diretamente, como a poluição. Seis milhões de pessoas morrem todos os anos devido a doenças causadas pela poluição do ar, como cancro, bronquite e asma aguda, sem mencionar sequer quem sofre dessas doenças sem morrer. Isso pode afetá-lo a sim ou a alguém da sua família, o que torna o problema muito mais concreto.
Como se pode abordar esta questão de forma mais atrativa, de modo a mobilizar cidadãos e empresas?
Como psiquiatra, posso assegurar que não são muitas as pessoas dispostas a mudar o seu comportamento se não encontrarem uma vantagem pessoal para o fazer. Isso significa que devemos demonstrar as vantagens financeiras, económicas e sociais da luta contra as mudanças climáticas. Substituir os dispositivos e sistemas desatualizados e poluentes que estão a causar as emissões de CO2 por modernas tecnologias limpas e eficientes representaria o maior mercado industrial do século em termos de lucro, criação de emprego e desenvolvimento económico. É isto que as pessoas devem entender. Mesmo quem nega as mudanças climáticas iria aderir, porque, mais do que apenas ecológico, é lógico.
As empresas estão conscientes de que têm que se comprometer com a sustentabilidade? A mensagem de que é possível proteger o meio ambiente de forma rentável deve ser enfatizada?
Claro, deve ser entendido por todos que as energias renováveis são uma maneira de poupar dinheiro e até mesmo de obter lucro, tornando-se mais eficiente. O CO2 é um marcador de perdas de energia, assim como de mudanças climáticas. Como tal, o novo desafio que lancei com a Solar Impulse Foundation foi identificar e selecionar mil soluções que podem proteger o meio ambiente de forma lucrativa. Existem milhares delas, mas muitas vezes estão escondidas em startups e laboratórios de investigação. O meu objetivo é trazê-las para a luz e acelerar a sua implementação promovendo-as a governos, corporações e instituições.
Como podem e devem as empresas de retalho contribuir para esta causa?
Através do uso de energia renovável rentável, bem como de tecnologias, produtos e processos limpos sempre que possível. Melhor isolamento nos edifícios, lâmpadas LED, motores elétricos modernos para fins industriais e para mobilidade, sistemas eficientes de refrigeração e aquecimento, como bombas de calor, armazenamento de energia local para reduzir os picos diários de consumo de energia, redes inteligentes, etc. Desenvolver estas áreas é a melhor forma de investir.
Qual é o verdadeiro desafio? É económico ou apenas de comunicação?
É político. O que as empresas mais temem é a distorção da competitividade. O que significa que os regulamentos devem ajudar todas as empresas e setores a fazerem a transição ao mesmo tempo e de forma suave. A incerteza também é uma razão para não avançar. Hoje, o quadro legal não ajuda as empresas a prever em que direção devem investir. Os regulamentos ainda são baseados no estado das tecnologias há 10 ou 15 anos e não há suficiente liderança política. Precisamos de objetivos ambientais ambiciosos e políticas energéticas para ajudar a trazer as tecnologias limpas para o mercado. Continuar a subsidiar a energia fóssil em 500 mil milhões de dólares por ano a nível mundial, como acontece atualmente, é um contrassenso. E não dar nenhum preço ao CO2 emitido na atmosfera é outro. Os políticos devem levar em consideração os custos ocultos dos sistemas antigos e da produção de energia, e aproveitar todos os ganhos ocultos das energias renováveis e das tecnologias limpas.
Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa da Store.
Fonte: Store