segunda-feira, 01 julho 2019 17:14

Elena Aldana: A Mercadona quer contribuir para a criação de empresa em Portugal

Desde que, em junho de 2016, anunciou a intenção de se expandir para Portugal que a ambição do retalhista espanhol Mercadona cresceu. As quatro lojas anunciadas originalmente passaram rapidamente a dez e estas são apenas as que abrem este ano, fazendo disparar o investimento de 25 milhões de euros para 160 milhões. Em entrevista, a diretora de Relações Externas e Assuntos Europeus em Portugal, Elena Aldana, sustenta que o posicionamento é ser uma empresa portuguesa, que paga impostos, cria emprego e gera riqueza no País. A primeira loja é inaugurada esta terça-feira, 2 de julho, em Canidelo, Vila Nova de Gaia.

Store | Em 2016, quando anunciou a internacionalização para Portugal, a Mercadona equacionou quatro lojas. Mas, entretanto, está prevista a abertura de dez. A que se deve esta ambição?

Elena Aldana | O projeto sempre foi muito ambicioso, muito desafiante. No dia 23 de junho de 2016, lançámos a nota de imprensa que anunciava que a Mercadona entrava em Portugal, mas, antes, já havíamos tido reuniões com as autoridades, porque, para nós, o principal era que a sociedade portuguesa quisesse a Mercadona. E só quando tivemos o “sim” anunciámos o projeto.
Começámos de raiz, a estudar toda a legislação, porque tudo o que íamos fazer tinha de ser de forma correta e legal. Daí termos criado a Irmadona Supermercados SA, com o objetivo de pagar impostos em Portugal e contribuir para criação de riqueza no País. A partir daí, foi estudar como podíamos desenvolver a atividade em Portugal, nomeadamente a nível de contratações, porque um dos requisitos da empresa, desde o início, foi que os colaboradores fossem portugueses. Se queríamos ser portugueses em Portugal, era a primeira coisa a fazer. Começámos a contratar pessoas e a procurar parcelas para o licenciamento e a construção das lojas, ao mesmo tempo que desenvolvíamos todo o projeto de comunicação – queríamos conhecer a sociedade, conhecer as instituições e as organizações como a APED, mas também que a sociedade portuguesa conhecesse a Mercadona.
No início, a pergunta mais comum era com qual dos concorrentes eramos mais parecidos. E o que respondíamos – e respondemos – é que a Mercadona tem um modelo próprio, que é diferente dos outros.

Rapidamente foi ultrapassado o plano inicial de quatro lojas. O que levou a isso?
Todos os nossos objetivos iniciais foram ultrapassados. No início, queríamos ser cuidadosos, não surgir com um ar de grandeza, estudar bem o mercado e depois veríamos. Eram quatro lojas e 25 milhões de euros de investimento. Mas, com o desenvolvimento da atividade, ultrapassámos, de facto, os objetivos: o investimento já atingiu os 160 milhões, os colaboradores vão ser mais de mil já este ano e vamos abrir dez lojas no segundo semestre – seis no distrito do Porto, duas no de Braga e outras duas no de Aveiro. Mas queremos continuar. E chegar a Lisboa.

Em março, na apresentação de resultados, o presidente da empresa falou em pelo menos 150 lojas…
Agora, estamos concentrados em garantir as primeiras aberturas, estamos na reta final. Se tudo correr bem, sim, o objetivo será chegar às 150 ou 200 lojas no país. Mas ainda faltam muitos anos.

Falou em chegar a Lisboa. Mas começam pelo norte. Porquê?
Quando entra num mercado, o que a Distribuição procura é densidade populacional, que, em Portugal, está na Grande Lisboa e no Grande Porto. Nós pensámos que começar pela capital talvez não fosse boa ideia, primeiro porque a plataforma logística mais próxima está em Sevilha e ainda não está automatizada, e depois porque poderíamos dar uma imagem de centralismo. Por outro lado, o norte fica próximo da plataforma logística de Villadangos del Páramo (Leão), esta totalmente automatizada. E, caso fosse necessário, poderíamos recorrer a colaboradores de Espanha.

Houve uma preocupação com a comunicação, quer na explicação do projeto, quer na recusa do centralismo. Era importante passar a imagem correta?
A Mercadona sempre teve a preocupação de fazer as coisas bem. Não queríamos entrar em Portugal de forma arrogante, sempre dissemos que devíamos ser humildes. Na nossa opinião, uma empresa espanhola que começasse a operação em Portugal por Lisboa talvez passasse uma má imagem. Afinal, a primeira impressão é que conta…

Mas a estratégia é ir descendo. Com que horizonte?
Sim, é chegar a todo o país. Sinceramente, nem nós temos um horizonte. Já temos escritórios em Lisboa e estamos a recrutar, mas à procura de espaços ainda não. Estamos na fase de criar a equipa de obras e expansão e só quando toda a equipa estiver de volta da formação [em Espanha] começaremos a procurar espaços.

Em termos de negócio, qual é a expectativa para este primeiro ano?
Esperamos que seja bom. É só o que posso dizer. Poderia estar a fazer uma estimativa de quanto vamos vender, mas não seria real. Nos primeiros dias, vai haver alguma curiosidade e esperamos que as pessoas se aproximem das nossas lojas, mas temos de ver quando estiver estabilizado.
Mas claro que esperamos que os portugueses gostem das lojas, dos produtos e dos preços, porque, como sabe, não fazemos promoções. As nossas lojas têm muitos fatores de atratividade, desde logo porque são confortáveis, são amplas, os carros de compras não chocam uns com os outros nos corredores, além de que temos preocupações de poupança energética, de reciclagem e de combate ao desperdício alimentar. No que respeita aos produtos, temos as marcas próprias, que são de uma qualidade ótima. E, se não forem, pedimos aos clientes que nos digam, porque estamos num processo contínuo de melhoria. Somos obcecados pela qualidade, mas também por oferecer produtos com preços competitivos. A nossa política é, aliás, Sempre Preços Baixos (SPB): o que queremos é que os consumidores, quando experimentam, digam que a qualidade é ótima e o preço também. Como não fazemos promoções, vai custar, vai ser preciso habituar um consumidor que está acostumado a comprar em promoção. Mas, uma coisa boa é que os clientes sabem com antecedência os nossos preços e o que podemos garantir é que, no momento em que enchem o carrinho de compras e passam pela caixa, a fatura vai ser supercompetitiva. Produto a produto talvez não, porque o produto nesse dia pode estar em promoção noutra cadeia de supermercados, mas, quando fazemos a compra total, somos competitivos. Podemos garantir que o nosso preço vai estar sempre muito bem posicionado.

A Mercadona alterou, recentemente, o modelo de relacionamento com os fornecedores. O que implica?
Percebemos que precisávamos de uma evolução do modelo. Antes tínhamos fornecedores e interfornecedores, sendo que estes eram os que faziam as nossas marcas próprias. E agora temos o fornecedor especialista, que designamos como totaler. É um conceito próprio da Mercadona, em que, ao contrário de um distribuidor normal, vamos primeiro ao cliente, vemos primeiro a procura e com isso desenvolvemos a oferta, trabalhando com a cadeia agroalimentar. É um círculo virtuoso.
Precisávamos que esses fornecedores especialistas trabalhassem também desta forma. Isso significa que procuramos em qualquer parte do mundo: se o melhor fornecedor de massa estiver em Itália, então a nossa massa vai ser italiana; se o melhor fornecedor de um doce estiver em Portugal, então esse doce vai ser português. Com a internacionalização da empresa, descobrimos muitos fornecedores portugueses que funcionavam muito bem, que eram especialistas e tinham uma qualidade ótima. E começámos a trabalhar mais com eles, acrescentámos o volume de compras até chegarmos, o ano passado, a 88 milhões de euros. O nosso objetivo é continuar a crescer, porque esses 88 milhões foram para produtos vendidos apenas em Espanha; agora que temos lojas em Portugal esperamos que esse volume cresça e que conheçamos melhor o setor primário e a indústria agroalimentar portuguesa.

Qual é a previsão de investimento para este ano para o negócio em Portugal?
O que fizer falta. Eram 25 milhões e já vamos em 160… O que diz o presidente é que o dinheiro está cá para ser investido. Não temos dívida aos bancos, é tudo capitais próprios.

Disse no início que houve a preocupação de estudar a legislação portuguesa, nomeadamente a laboral. A Mercadona é uma empresa atrativa para trabalhar?
Eu acho que sim. Em Espanha, temos um contrato coletivo próprio, mas, em Portugal, como ainda não conhecíamos, considerámos que o ideal seria começar pelo contrato do setor, que é gerido pela APED. Foi a partir desse contrato, que, para nós, é a base, que começámos a criar toda a nossa política retributiva. Mantendo o exemplo de Espanha, deve ser atrativa para o trabalhador. Dizemos sempre que queremos sorrisos nas lojas, que o serviço ao cliente seja o melhor que há. E, para isso, precisamos que, primeiro, todos os colaboradores em Portugal tenham um contrato sem termo desde o primeiro dia, e depois oferecer formação de qualidade. Essa formação [em Espanha] supõe um investimento médio de 50 mil euros por trabalhador, pois todas as despesas são pagas, incluindo viagens a casa a cada 15 dias. E os salários devem ser também atrativos: assim, o salário inicial é acrescentado 11% ao ano durante os primeiros cinco anos, além de que há um prémio por objetivos, um salário extra. Quando passam os primeiros cinco anos, o aumento salarial a é inferior aos 11%, mas é compensado com dois prémios, pagos em março. Mais de 300 milhões de euros, correspondendo a 25% dos objetivos, foram distribuídos por toda a equipa em 2018.

E quanto a oportunidades de progressão na carreira?
Temos um plano para a igualdade, em que, independentemente do sexo, todas as pessoas têm as mesmas oportunidades de desenvolver o seu trabalho, nomeadamente a nível salarial – a tabela é totalmente transparente. E também há igualdade no acesso aos postos de direção. Sempre apostámos na promoção interna, pelo que, antes de abrirmos uma vaga para o exterior, vemos se há alguma pessoa na empresa com potencial para essa vaga. Temos casos no próprio Comité de Direção de pessoas que começaram na loja.
Em Portugal, aplicamos o mesmo plano. Devo dizer que, além de mim, há muitas mulheres em cargos diretivos: a diretora de Recursos Humanos, a diretora de Obras e Expansão, a diretora de Lojas… Somos uma empresa totalmente aberta neste tema do género.

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na última edição impressa da Store.

fs@storemagazine.net

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