Store | Quais devem ser as prioridades da nova Comissão Europeia e do novo Parlamento Europeu em matéria de comércio e retalho?
Christian Verschueren | Os próximos cinco anos serão críticos para a União Europeia e para a sua economia. O retalho e o comércio por grosso são o maior empregador do setor privado na Europa, empregando 29 milhões de europeus, e um setor fundamental para a economia europeia, representando 10% do PIB da UE.
Este setor pode ajudar a construir a Europa para a próxima geração. Refletimos sobre quais as políticas necessárias para ajudar ao crescimento europeu e apresentámos quatro pedidos estratégicos principais para que o novo Parlamento Europeu e a Comissão os considerem como prioridades para o novo mandato: construir uma economia de dados bem sucedida na Europa; garantir a concorrência leal (igualdade de condições) e a liberdade de fazer negócios; salvaguardar mercados abertos dentro e fora da UE; e apoiar um setor comprometido com as pessoas e com uma vida sustentável (ver caixa).
O que está por fazer para concretizar o mercado único europeu, nomeadamente a respeito da livre circulação de mercadorias?
Retalhistas, grossistas, importadores e exportadores, todos dependem da livre circulação de mercadorias na Europa e no mundo. A atual onda de populismo, protecionismo e nacionalismo económico corre o risco de tornar a Europa – e o mundo – mais pobre. Novas barreiras ao mercado único, que é a ferramenta mais forte da Europa para o crescimento e o emprego, colocam em perigo a frágil recuperação económica da Europa.
A UE tem de implementar a Estratégia para o Mercado Único, exigindo a notificação prévia de medidas nacionais que afetem os serviços, regras mais justas e mais transparentes sobre o retalho, o reconhecimento mútuo de produtos e regras nacionais proporcionais. Além disso, os Estados-membros devem eliminar as medidas discriminatórias e concordar em dotar a Comissão dos recursos e poderes necessários para a aplicação eficaz das regras da UE. A Comissão tem também de cumprir a sua recente comunicação sobre “Retail Fit for the 21st Century” e de suprimir as barreiras ao investimento em inovação para enfrentar os desafios da digitalização. Deve ainda proceder a uma revisão urgente dos obstáculos ao mercado único e executar um plano de ação para os resolver, incluindo a execução de recomendações específicas para cada país no âmbito do Semestre Europeu.
Em que medida é que o setor tem sido prejudicado pela ausência de avanços no mercado único europeu?
A Comissão tem de cumprir a comunicação sobre “Retail Fit for the 21st Century”. É, aliás, excelente que a Comissão tenha confirmado que o excesso de regulação do comércio de retalho funciona diretamente contra os interesses dos consumidores. Sendo um setor consideravelmente exposto a regulamentação excessiva, inadequada e, por vezes, discriminatória em vários países, esta é uma mensagem que temos vindo a transmitir há muitos anos. O mercado único, tanto para bens como para serviços, ainda precisa de funcionar melhor: todos na Europa podem ganhar com isso. Um mercado único inacabado e fragmentado custa aos consumidores e às empresas 615 mil milhões de euros ao ano. Mais de oito em cada dez retalhistas e grossistas fariam mais negócios transfronteiriços se não houvesse barreiras comerciais.
A comunicação da Comissão Europeia mostra o impacto negativo cumulativo das decisões nacionais e locais na criação de obstáculos institucionais e operacionais que o setor tem de enfrentar num ambiente empresarial desafiador e em rápida mutação. Um setor de retalho competitivo precisa mais de concorrência do que de barreiras legais e regulatórias para a reduzirem: as regras devem ser simples, transparentes e deixar espaço para a flexibilidade e a inovação.
Quais são as principais barreiras à competitividade das empresas europeias e do retalho em particular?
A legislação precisa de se adequar a um ambiente alterado para as empresas. O nosso setor já se está a adaptar às mudanças que acompanham a transformação digital, mas precisamos de regras justas para garantir a igualdade de condições entre todos os canais de distribuição. Neste sentido, pedimos aos decisores da UE para:
- Manter a intervenção da UE nas relações contratuais B2B ao mínimo, com um foco claro na garantia de que a legislação (na cadeia de abastecimento alimentar ou em plataformas) não distorce as relações a favor dos fornecedores mais poderosos, sem benefícios para os agricultores e prejudicando os consumidores.- Assegurar que a revisão do Regulamento de Isenção por Classe Vertical reflete a mudança do ambiente competitivo e gera um resultado equilibrado para retalhistas e grossistas. Neste contexto, abordar as restrições territoriais ao abastecimento impostas pelos fornecedores, fragmentando o mercado único e criando diferenças injustificadas no preço e na qualidade para os consumidores.
- Um sistema fiscal que permita que todos os retalhistas e grossistas, online e offline, tenham uma hipótese justa de sucesso. E progresso adicional a nível internacional, com base nas ideias da Comissão sobre uma presença digital significativa para garantir uma distribuição justa da carga fiscal.
- A implementação antecipada de regras simplificadas do IVA e do balcão único para incentivar o crescimento das vendas transfronteiriças e para reduzir a fraude ao IVA.
- Proteger os consumidores e retalhistas da UE de operadores de fora da Europa que violem as regras da UE em matéria de segurança dos consumidores ou de IVA, e explorar quadros postais internacionais obsoletos (UPU), que permitam que forneçam mercadorias a custos quase nulos.
De que forma é que o peso dos impostos limita a concorrência e o crescimento do retalho europeu?
A rápida disseminação da digitalização transformou a face da indústria e os componentes físicos e digitais da experiência de compra já não são facilmente separados. Neste contexto, existe um consenso de que as regras fiscais internacionais já não são totalmente adequadas e que o atual conjunto de regras tributárias criou resultados injustos em várias áreas. Isso contribui para um sentimento de desconfiança e prejudica a confiança das empresas, que considero vital para o sucesso da economia e da sociedade em geral. Para tornar o sistema fiscal adequado à economia digital, o EuroCommerce apela a que a modernização das regras fiscais internacionais existentes seja justa, simples, proporcional, exequível e internacional. As regras fiscais necessitam de ser modernizadas na era digital, seja no que diz respeito à tributação das empresas, ao cumprimento do IVA e à luta contra a fraude ao IVA, bem como à remoção de impostos unilaterais que pesam excessivamente sobre o setor retalhista e grossista. Estamos, acima de tudo, empenhados em evitar a proliferação de impostos nacionais, cujos primeiros sinais estamos agora a ver, por exemplo, no Reino Unido, em Espanha e em França.
Qual a posição do Eurocommerce relativamente à desvantagem que a legislação relacionada com dados tem no comercio europeu?
Não acredito que o efeito precise de ser negativo. O resto do mundo está, aliás, a adotar cada vez mais as regras da UE em matéria de dados pessoais. A Europa precisa de ser capaz de igualar eficazmente os enormes progressos realizados nos EUA e na China, que adotaram a digitalização muito mais rapidamente, facilitando o acesso e a interoperabilidade, garantindo ao mesmo tempo aos consumidores que os seus dados pessoais estão seguros e preservando a sua liderança global na proteção de dados, privacidade e propriedade intelectual.
Para os retalhistas e grossistas europeus continuarem competitivos, precisamos de:
- Garantir que as regras sobre RGPD e privacidade sejam aplicadas de forma consistente e amiga dos negócios. As regras da UE exigem dos principais países terceiros as medidas necessárias para permitir o livre fluxo de dados e transformam as regras da UE num padrão global;
- Ter uma abordagem pan-europeia à cibersegurança, reforçando os poderes da Agência da União Europeia para a Segurança das Redes e da Informação (ENISA) e acelerar um quadro europeu de certificação da cibersegurança;
- Garantir regras consistentes sobre propriedade, interoperabilidade e direitos de acesso a dados comerciais (não pessoais).
Quais são as expectativas do EuroCommerce a propósito do TTIP - Transatlantic Trade and Investment Partnership (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento)?
Lamentamos que a administração norte-americana do presidente Trump tenha abandonado as negociações para uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com a UE e imposto tarifas sobre o aço e o alumínio para as exportações da UE. Congratulamo-nos com o facto de o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, ter chegado a um consenso com o presidente Trump no sentido de um acordo sobre tarifas zero, barreiras não-tarifárias zero e zero subsídios aos bens industriais não-automóveis, e que um mandato para tais discussões tenha sido acordado pelos ministros.
O Eurocommerce está preocupado com os crescentes protecionismos e nacionalismos económicos? Quais os impactos no comércio europeu?
A legislação discriminatória, não apenas, mas sobretudo nos países da Europa Central e Oriental, dificulta a venda de alimentos provenientes de outros países da UE e impede o investimento de agentes estrangeiros em infraestruturas de retalho modernas. Os agentes estrangeiros enfrentam, muitas vezes, maior tributação e mais inspeções. Em alguns países da UE, o Estado de Direito é prejudicado, com o risco de comprometer os investimentos estrangeiros e a integridade do mercado interno. Por vezes, o protecionismo assume a forma de super regulação das relações B2B. Medidas protecionistas contra retalhistas e produtos estrangeiros estão a restringir o crescimento e a prejudicar os consumidores. Esta é uma ameaça que a Europa precisa de enfrentar de forma robusta em todas as frentes. A Comissão agiu sobre várias destas medidas ilegais, mas gostaríamos que tivesse sido melhor equipada nos seus esforços para defender o mercado interno, maximizar a escolha do consumidor e preços razoáveis para todos.
Uma importante vitória recente para o nosso setor foi o anúncio feito pela Comissão Europeia de uma investigação profunda sobre a Lei de Imposto do Retalho da Eslováquia e uma ordem judicial que suspendeu a aplicação da lei no início do mês, seguida pela votação do parlamento eslovaco a favor de retirar a taxa especial de imposto de retalho. Congratulamos a Comissão por ter atuado rapidamente. O EuroCommerce apresentou uma queixa contra o imposto em dezembro de 2018. O imposto, que se aplicava quase exclusivamente a empresas estrangeiras que operam no país, exigia que pagassem 2,5% do volume de negócios líquido, com o que o governo eslovaco esperava angariar 100 milhões de euros. As queixas do EuroCommerce centram-se na opinião clara de que o imposto era incompatível com a legislação da UE: constituía um auxílio estatal ilegal, semelhante aos impostos retalhistas anteriormente propostos na Polónia e na Hungria, além de que a natureza discriminatória do imposto violava o princípio claro do Tratado de liberdade de estabelecimento.
O protecionismo torna toda a gente mais pobre, já que impede que os clientes escolham livremente e tirem benefícios da concorrência. Estas tendências populistas também estão a alimentar as atuais disputas comerciais desencadeadas pelas decisões dos EUA, que ameaçam uma grande guerra comercial. As forças por detrás do Brexit são uma reflexão adicional a essa tendência.
De que forma é possível alcançar igualdade de condições entre retalhistas e fornecedores?
Grande parte do debate recente sobre a cadeia de abastecimento ignora o facto de que é dominada por grandes multinacionais e não por retalhistas. Quanto à questão das restrições territoriais em matéria de abastecimento, a Comissão confirmou o impacto negativo no mercado interno quando os retalhistas são bloqueados por grandes fabricantes na escolha de onde comprar produtos de marca. O nosso setor está a ser impedido de criar economias de escala ao centralizar a distribuição de mercadorias dentro da sua rede de lojas em diferentes países. São economias que os fabricantes podem explorar sistematicamente para fragmentar o mercado. Esta situação causa problemas reais quando os consumidores de alguns países percebem que estão a fazer pior negócio do que outros em termos da qualidade ou do preço do que compram. O mercado único não deve ser isto.
Como é que a legislação europeia precisa de ser adaptada à nova realidade causada pela era digital e a fronteiras difusas entre o produtor e o vendedor?
A digitalização criou novos meios de distribuição de serviços e mercadorias e inovação disruptiva nas redes existentes, através de plataformas, sites de comerciantes individuais, e também para os fabricantes, que interagem diretamente com consumidores e clientes profissionais fora da cadeia de abastecimento tradicional. Além disso, as plataformas desempenham um papel específico na ajuda aos pequenos comerciantes online e podem complementar as lojas bricks-and-mortar, mas obviamente que competem com elas.
As novas regras da UE devem tornar mais clara a relação com as plataformas e ajudar a lidar com questões relacionadas com o uso de informações dos clientes, onde uma plataforma também está a vender em nome próprio. É também necessário tornar um pouco mais claro quem é responsável pela segurança do consumidor e por problemas que possam surgir.
Esta entrevista pode ser lida na íntegra na edição impressa da Store.
Fonte: Store