Store | Que ponto de situação faz quanto às práticas sustentáveis das empresas nacionais do retalho?
O setor da Distribuição está na linha da frente na adoção das melhores práticas de sustentabilidade e, acreditamos, tem desenvolvido um conjunto de ações que têm deixado marca e levado outros setores económicos a fazerem caminho. As características intrínsecas aos nossos associados do Retalho Alimentar e do Retalho Especializado, nomeadamente a sua proximidade com o consumidor e a interação diária que existe seja na loja física, como nas lojas online, contribuem decisivamente para a criação desta interação positiva e enriquecedora para todos.
Embora tracemos um balanço positivo do compromisso do setor com a sustentabilidade, temos a ambição de ir mais além e de congregar cada vez mais empresas em torno dos nossos compromissos e das melhores práticas, porque os desafios são cada vez mais exigentes. E temos, também, um consumidor cada vez mais consciente e exigente.
O projeto mais ambicioso que temos em andamento é o Roteiro para a Descarbonização do setor da Distribuição. Esta iniciativa partiu da visão estratégica da Direção da APED, que na altura certa colocou o tema na agenda, e constitui um aprofundar para um novo patamar de atuação que os nossos associados vêm desenvolvendo em áreas como a eficiência energética e a redução da pegada de carbono, a integração de princípios de economia circular em produtos e serviços, e a promoção de boas práticas sustentáveis junto de parceiros, fornecedores e clientes. Depois de todas as iniciativas desenvolvidas de forma exemplar, entendeu-se ser chegado o momento de dar um novo passo, que consolidasse a abordagem à sustentabilidade enquanto um eixo estratégico.
Por isso, no final de 2021, foi dado o “pontapé de saída” do Roteiro através de um trabalho desenvolvido em conjunto com a PwC que visou criar bases sólidas para o projeto, ao mesmo tempo que se procurou que este Roteiro se diferenciasse de outras iniciativas em curso no domínio da sustentabilidade. Para isso, foi propósito da APED que esta iniciativa não se ficasse por uma intenção, mas sim, pelo contrário, que fosse um plano de ação, construído a partir das melhores práticas internacionais, assente num diagnóstico do setor e dos nossos associados para se chegar a um modelo de implementação, assente em eixos de atuação, compromissos e métricas de avaliação. Em suma, não queremos ficar por boas intenções, queremos que as ações tenham efeitos práticos visíveis e mensuráveis. E queremos acompanhar e apoiar as empresas nesta jornada.
Outro fator muito importante no Roteiro para a Descarbonização é a sua base voluntária e mobilizadora. Queremos congregar todos os nossos associados – e empresas que ainda não são nossas associadas, mas que acreditamos que se reveem nestas práticas e se juntarão à APED em breve – independentemente das suas características ou área de atividade. Esta é uma ação coletiva que precisa do contributo de todos para ser possível atingir o seu objetivo central: a descarbonização das atividades do setor até 2040. Isso passa pela intervenção diária das empresas, que são convidadas a integrar compromissos ambientais na sua estratégia de negócio para que todos, em conjunto, contribuam para a redução da pegada de carbono do setor.
Por fim, este Roteiro materializa e torna ainda mais visível a postura proativa do setor. A Distribuição encara de forma séria e empenhada os desafios climáticos e a necessidade de uma resposta sólida e concertada. Diariamente já são desenvolvidas práticas que promovem o consumo sustentável, aposta-se e investe-se em inovação ao serviço do uso mais eficiente dos recursos naturais. Não ficamos à espera de decisões ou de regulamentos para agir. Pelo contrário. Assumimos a responsabilidade acrescida que temos por ser um setor bastante escrutinado e do qual é esperado que dê o exemplo também no plano da sustentabilidade.
Para a APED, este Roteiro não é um fim em si mesmo, mas sim o início de uma jornada colaborativa, à qual se vão juntar, com certeza, mais empresas do setor. Se formos capazes de reunir cada vez mais empresas em torno do Roteiro para a Descarbonização e cumprir o objetivo a que nos propomos até 2040 e, se acima disso, ainda formos capazes de influenciar outros agentes da cadeia no mesmo sentido, o nosso objetivo terá sido plenamente cumprido.
Temos um exemplo recente desta ação colaborativa, através de uma iniciativa a que demos o nome de open-day, em que algumas empresas signatárias do Roteiro abriram as suas portas para dar a conhecer as soluções de descarbonização que estão a ser desenvolvidas, no sentido de inspirarem outras empresas na adoção das melhores práticas. É este o propósito deste Roteiro e que muito nos orgulha: maximizar o impacto positivo desta ação coletiva.
Considera que as práticas sustentáveis são transversais a todo o setor nacional do retalho, ou diferem consoante a dimensão da empresa?
A experiência que temos vindo a acumular na concretização do Roteiro para a Descarbonização demonstra que os associados não se encontram todos no mesmo ponto de partida, o que é absolutamente natural. Existem empresas de maior dimensão que já têm histórico de desenvolver iniciativas e de integrar a sustentabilidade no desenho das suas estratégias corporativas e de negócio, enquanto existem empresas de outra dimensão que precisam de mais tempo para integrar este domínio nas suas práticas de negócio e que enfrentam outro tipo de desafios na operação do dia a dia, o que faz com que a sua atenção tenha de ser dirigida primordialmente para outros temas.
Contudo, este Roteiro surge precisamente para dar resposta a esse desafio e a APED tem aqui um papel relevante em apoiar o caminho individual de cada uma das entidades signatárias, para que os objetivos individuais sejam definidos de forma alargada. Haverá empresas com um nível de maturidade mais consolidado, enquanto outras estão na etapa inicial neste percurso. O objetivo da APED passa por orientar e realinhar as empresas neste percurso de transição e incentivá-las a reduzir de forma muito significativa a pegada de carbono nas próximas duas décadas.
A aplicação de medidas diverge entre empresas da área alimentar e não alimentar?
A aplicação de boas práticas no domínio da sustentabilidade é uma realidade tanto nos nossos associados do setor alimentar, como no retalho especializado, pelo que o critério para avaliar a aplicação de ações neste domínio não deverá passar tanto pela sua área de negócio, mas sim pelo grau de maturidade na integração da sustentabilidade na estratégia de negócio. Verifica-se que a integração de algumas práticas e metodologias mais sistemáticas pode ser mais desafiante para empresas com estruturas organizacionais mais pequenas, mas, de um modo geral, a aplicação destas práticas é um desígnio dos nossos associados.
Gostaria de sublinhar o que tem vindo a ser feito no domínio da eficiência energética. Só nos últimos 10 anos reduziu-se até 30% o consumo de eletricidade por metro quadrado de área de venda. Como? Através do uso eficiente de energia, quer na iluminação interior e exterior, como na climatização, com a adoção de equipamentos com menor consumo de energia e a instalação progressiva de unidades de produção de eletricidade para autoconsumo. Estas são medidas já implementadas no terreno, que começaram a ser planeadas e aplicadas de forma proativa antes dos apelos e recomendações do Governo para promover a eficiência energética nos espaços da distribuição. Temos vindo a dar também um contributo neste domínio, através da promoção de ações de apoio ao investimento para substituição de iluminação fluorescente por LED, no contexto do PPEC – Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de Energia Elétrica.
Todas estas medidas aplicadas nos espaços comerciais, assim como a dinamização e apoio a ações de sensibilização junto de colaboradores e consumidores para a adoção de comportamentos mais eficientes e de poupança de energia, procuram sempre um equilíbrio com a salvaguarda da segurança alimentar, o bem-estar dos consumidores e o desempenho sustentável dos espaços comerciais.
Quais identifica como os principais desafios das empresas no retalho em termos de sustentabilidade?
Os principais desafios que se colocam ao setor passam sobretudo pela previsibilidade e exequibilidade no que diz respeito à legislação nacional e à chamada “fiscalidade verde”. Assumimos uma postura de abertura ao diálogo, de procura de soluções construtivas e de colaboração no processo legislativo. Mas não podemos deixar de lamentar que, em muitas situações, as alterações legislativas são comunicadas aos agentes económicos em cima da hora e não têm em conta as dificuldades inerentes à sua implementação devido a um cronograma apertado, à falta ou inexistência de um período de transição ou ausência de soluções alternativas. Precisamos de garantir a necessária previsibilidade na definição de políticas públicas com impacto nos modelos de negócio.
Outro desafio diz respeito à incerteza face ao desfecho da guerra na Ucrânia e ao prolongar dos efeitos socioeconómicos, incluindo o que diz respeito à energia. Assistimos, e sentimos, bem recentemente aos efeitos da escalada dos custos de energia e dos combustíveis, que criaram uma situação muito difícil em todos os elos da cadeia, incluindo à distribuição. A adoção de medidas de eficiência energética tornou-se ainda mais importante nesse contexto.
Por fim, mas não menos importante, temos o desafio de alinhamento com a estratégia e legislação comunitária. As questões ambientais continuam a estar no topo das prioridades da Comissão Europeia apesar da inevitável prevalência das preocupações económicas de curto prazo sobre as questões ambientais.
Diria que a mudança de paradigma ocorreu com o Pacto Ecológico Europeu e depois com a estratégia europeia das finanças sustentáveis. Assistimos ao desenvolvimento de um quadro regulatório complexo e à definição de compromissos globais ambiciosos, os quais reforçam a importância de as empresas incorporaram ao longo da cadeia de valor uma abordagem centrada na sustentabilidade. É cada vez maior o nível de exigência colocado às empresas para garantirem transparência, rigor na informação e qualidade nos seus processos e produtos.
O que entende que seria importante o Estado assegurar no sentido de melhorar a sustentabilidade do setor do retalho?
O Estado tem o desafio de estimular as empresas a adotarem as melhores práticas ambientais. Para isso, importa que as suas decisões tenham por base o conhecimento da realidade vivida pelos agentes económicos e sejam sustentadas num racional que demonstre a sua mais-valia do ponto de vista ambiental e económico. Significa isto que a forma e o conteúdo do pacote de medidas e de legislação implementada pelo Estado deverão ter um racional sólido e claro na sua base ao invés de serem tomadas decisões apressadas, apresentando como factos consumados diplomas que não se adequam à realidade, que apresentam problemas de operacionalização, conceito e legitimidade e penalizam operadores e consumidores. Outro repto passa por reforçar a capacidade de diálogo e de auscultação junto das empresas e por procurar soluções equilibradas, alinhadas com a legislação comunitária, mas que tenham em conta a necessidade de haver tempo e alternativas para que as empresas se possam ajustar a um novo enquadramento jurídico.
De que forma tem a inflação impactado a nível das práticas sustentáveis dos portugueses?
O enquadramento socioeconómico que se tem vindo a viver ao longo dos últimos meses tem, naturalmente, impacto no comportamento de consumo de um modo geral, materializando-se por uma gestão ainda mais eficiente do orçamento familiar e maior critério na tomada da decisão de compra. Apesar disso, os consumidores revelam uma crescente consciência para preocupações ambientais. Também por isso e porque estes produtos estão associados a práticas mais sustentáveis, assiste-se, por exemplo, a um aumento da procura de produtos biológicos. Fica patente uma crescente consciência ambiental por parte dos consumidores, que procuram encontrar essas opções disponíveis nos espaços do retalho, embora nem sempre seja essa a sua decisão de compra.
Que papel tem a comunicação na melhoria das práticas sustentáveis no setor?
A comunicação é fundamental para incentivar boas práticas, não só junto dos consumidores, que têm um papel essencial nessa matéria, mas também junto de colaboradores e parceiros. Pela relevância socioeconómica que tem e pela proximidade com a comunidade envolvente, o setor da Distribuição dá o exemplo e tem vindo a promover diversas campanhas de sensibilização no domínio da sustentabilidade, em matérias tão distintas como a poupança energética, a prevenção do desperdício alimentar, a reciclagem e a promoção de alternativas reutilizáveis, apenas para dar alguns exemplos. Através de uma comunicação atempada e sistemática ao longo do tempo, damos o nosso contributo para que as pessoas ajustem os seus comportamentos e adotem práticas mais sustentáveis.
Quais os aspetos e práticas que considera importante reforçar junto das empresas e consumidores para um consumo mais sustentável?
Acreditamos que existe uma crescente consciência dos consumidores e das empresas que a sustentabilidade não é uma opção, é um caminho irreversível e, como tal, deve ser visto como uma oportunidade de negócio, como uma área na qual o investimento dará frutos a médio e longo prazo. Apesar de a introdução de alterações legislativas gerar sempre algumas dúvidas em relação à sua implementação e em relação às soluções alternativas disponíveis e o seu respetivo custo, o caminho para a sustentabilidade tem de ser feito de uma forma equilibrada e ponderada. Para isso, é importante não só papel que as empresas e os consumidores têm, como o papel do legislador, que não deve perder de vista a realidade vivida no terreno pelas empresas e os desafios que existem na implementação de novas medidas.
Qual tem sido o feedback dos consumidores à campanha de plásticos de uso único, “Um só Uso. Um só Fim. Reciclar! Muitos Usos. Sem Fim. Reutilizar!”?
O feedback tem sido positivo. Além da divulgação da campanha nos espaços comerciais dos associados que participaram na campanha, esta iniciativa também foi bem acolhida nos canais digitais da APED e dos nossos associados.
A campanha pretendia passar duas mensagens complementares ao consumidor: um apelo para reciclar e para correta deposição das embalagens no ecoponto quando já não são necessárias, prevenindo a poluição dos solos, dos oceanos e das praias; convidar os consumidores a trazer os seus recipientes reutilizáveis na visita aos espaços comerciais.
Trata-se de mensagens importantes que apelam aos consumidores para reciclar e usar alternativas reutilizáveis, que importa continuar a alimentar ao longo do tempo, não se esgotam no período concreto da campanha.
Qual o papel da APED na prevenção do desperdício alimentar?
A prevenção do desperdício alimentar tem sido um dos temas-chave da atuação dos associados da APED da área da distribuição alimentar. O setor da Distribuição é parte ativa no combate ao desperdício alimentar, quer ao nível da operação diária e logística, quer ao nível de parcerias com instituições de apoio social para doação dos excedentes, como também no âmbito da sensibilização do consumidor. Em 2022, as empresas associadas doaram mais de 22 mil toneladas de produtos alimentares a instituições sociais. No mesmo ano, estimamos que foi evitado o desperdício de mais de 32 mil toneladas de produtos que estavam prestes a atingir a data de validade, através de um circuito para facilitar o consumo destes produtos em condições de segurança.
A APED, em conjunto com outras organizações, procura também associar-se à divulgação de mensagens que apelam ao combate ao desperdício alimentar e que valorizam a produção nacional. A APED é membro fundador do movimento “Unidos Contra o Desperdício”, participando de forma ativa nas iniciativas promovidas por esta iniciativa.
E o que está a ser feito para melhorar a economia circular do setor?
O desenvolvimento e promoção de boas práticas sustentáveis e o estímulo à economia circular são prioridades da APED e dos seus associados.
Enquanto agente ativo no debate e na operacionalização desta temática, a APED tem vindo a promover e a associar-se a diferentes iniciativas. Alguns exemplos são a realização de visitas de decisores e entidades relevantes a lojas de empresas associadas para dar a conhecer boas práticas no setor e inspirar adoção de melhorias neste âmbito; a promoção de iniciativas colaborativas com entidades oficiais para promover o diálogo e ultrapassar barreiras à economia circular; a associação a campanhas promovidas por entidades das quais é membro como o Pacto Português para os Plásticos e a Plataforma Vidro+, uma iniciativa colaborativa que visa criar um compromisso entre várias entidades para promover o aumento da taxa de reciclagem do vidro em Portugal. Os projetos-piloto para recolha de embalagens de bebidas, promovidos pela APED em consórcio com as associações APIAM e PROBEB são também exemplos de sucesso de iniciativas que visam promover a economia circular, neste caso do setor das bebidas.
Considera que as práticas das empresas nacionais do retalho estão em linha com o que de melhor se faz lá fora?
Sim. Temos inúmeros exemplos de passos seguros neste domínio, que demonstram não só uma vontade em seguir com as melhores práticas internacionais, como são reveladoras do compromisso sério que as empresas têm para com o uso mais eficiente dos recursos naturais, para responder aos desafios das alterações climáticas, entre outros. A forma como as empresas do setor encaram a sustentabilidade tem vindo a ser reconhecida por diferentes organizações internacionais e tem aberto portas para a adesão a iniciativas de referência, como é a “Race to Zero Retail Campaign”, uma campanha global lançada em 2019 e promovida pelas Nações Unidas, à qual a APED se juntou recentemente.
A “Race to Zero” reúne empresas, cidades, regiões e investidores em torno da ação climática, visando uma recuperação saudável, resiliente e baseada em emissões zero. A APED participa nesta iniciativa como uma das associações aceleradoras, tendo em vista mobilizar empresas associadas para a participação neste projeto, nomeadamente com a adesão a iniciativas de redução das emissões e o impulsionar da ação climática.
Fonte: Store Magazine