Se há tema em que houve mais continuidade que rutura entre as Presidências Trump e Biden, esse tema é, certamente, a necessidade de Washington conter a ascensão da China.
A desconfiança dos EUA em relação aos chineses está em máximos históricos. Dois em cada três norte-americanos têm, em 2021, uma opinião negativa sobre a China. Há três anos, eram menos de metade.
Há duas décadas, o PIB chinês valia 12% do norte-americano. Hoje valor perto de 80%. A China está à frente em áreas como a Inteligência Artificial e o 5G. E quanto ao 6G, desafio tecnológico que se segue e que deverá chegar pelo final desta década, por 2028/2030, a China já tomou a liderança, com cerca de 40% dos pedidos de patentes, seguida dos EUA (35%) e Japão (10%).
A CIA criou recentemente o China Mission Center, o mais recente esforço da agência de Langley para compreender a verdadeira extensão do competidor chinês.
Taiwan é a tensão mais evidente. Estados Unidos e China vão-se emaranhando num jogo de “póker” que ameaça o futuro da ilha. O momento da verdade sobre Taiwan parece estar a chegar.
Joe Biden afirmou na ONU não querer “uma nova Guerra Fria”. A comparação, cada vez mais usada para descrever o ponto atual da rivalidade EUA-China, é atraente. Só que não faz grande sentido. Ao contrário do que ocorria com a bipolaridade do mundo americano-soviético, que nos mostrava dois mundos opostos e sem pontos de contato em quase tudo, americanos e chineses têm um nível de interação e interdependência altíssimo.
A URSS não era um competidor, mas era uma ameaça real. Mesmo não sendo “ameaça” oficial, a China é um enorme competidor.
Xi Jinping alargou a influência chinesa com os projetos “One Belt, One Road” e a Nova Rota da Seda. Perto de meia centena de países devem à China o equivalente a pelo menos 10% do seu PIB.
Temos olhado muito para os fatores que têm contribuído para a perda de poder relativo dos EUA. Falta olharmos com mais atenção para os riscos de crise dos fatores que têm levado até agora à ascensão chinesa. Os casos Evergrande e Fantasia avisam-nos para que um “cisne negro” financeiro gigantesco vindo de Pequim possa aparecer quando menos esperarmos.
Três obstáculos contrariam a tese de pujança chinesa: o declínio do crescimento populacional; o crescimento económico abaixo dos valores que sustentaram o modelo chinês nas últimas três décadas; danos reputacionais pelo modo como terão ocultado o risco da COVID-19.
A Administração Biden coloca a ascensão chinesa no topo das ameaças aos Estados Unidos em todos os documentos e posições oficiais. O Presidente norte-americano tem como objetivo que os Estados Unidos liderem a perceção internacional sobre um desconforto de imaginar um futuro próximo mais dominado pela China do que pelos EUA em temas como a vigilância dos cidadãos ou o respeito pelos Direitos Humanos.
Perspetiva verde no semáforo alemão
Dois meses depois das eleições, o inédito acordo a três para maioria estável na chancelaria alemã mostra perspetivas positivas.
O “semáforo” (vermelho SPD+amarelo Liberais+Verdes) era a solução que mais sentido fazia depois dos resultados eleitorais que deram pequena vantagem aos sociais-democratas sobre a CDU.
Será um governo fortemente europeísta. Olaf Scholz, que foi ministro das Finanças de Merkel e é o novo chanceler alemão, é adepto do eixo franco-alemão, atlantista e comprometido com a NATO e o projeto europeu.
O que une os três partidos da nova coligação: clima (ministério da Economia, que será dos Verdes, vai passar a chamar-se Economia e Proteção Ambiental), objetivo de 80% de descarbonização da indústria alemã até 2030, 15 milhões de carros elétricos até ao fim da década; transição digital; combate à pandemia.
Os Verdes ficam também com os Negócios Estrangeiros e tiveram vitórias nas negociações como a legalização da canábis. A pasta das Finanças vai para os Liberais: “ortodoxia financeira”, travão da dívida e moderação fiscal.
Merkel termina caminho de 16 anos, durante o qual lidou com quatro Presidentes americanos, cinco primeiros-ministros britânicos, quatro Presidentes franceses e três presidentes da Comissão Europeia.
Lidou com a crise das dívidas soberanas, a crise do Euro, a iminência da saída da Grécia, a crise dos refugiados, agora a pandemia.
Terá sido a última líder de longa duração da nossa era. Errou muito – mas acertou mais.
Fonte: Store Magazine