quinta-feira, 17 agosto 2023 10:55

Nuno Moreira da Cruz: “Responsible Business”, o dilema do “ovo e da galinha”

Começo normalmente as minhas aulas de Mestrado e cursos de Formação Executiva sobre Responsible Business pedindo a alunos e executivos que associem palavras a este conceito. Palavras que sempre surgem andam invariavelmente à volta de sustentabilidade, ambiente, igualdade, ética, stakeholders, comunidades locais, responsabilidade social corporativa, e outras do género.

Quando lhes peço em seguida que esqueçam a palavra Responsible e associem palavras apenas a Business tudo muda, na sala aparecem de imediato os suspeitos do costume: lucro, rentabilidade, acionistas, crescimento.

Este exercício espelha a sociedade e os mercados que temos e é isto que, felizmente, está em rápida transição. Acredito profundamente que dentro de uma década este exercício em classe deixará de fazer sentido – pura e simplesmente porque não haverá business se não for… um responsible business.

A longo prazo, a vida neste planeta está-se a tornar insustentável em várias áreas, desde o ambiente aos direitos humanos, da ética à discriminação por género e raça, da pobreza às condições de trabalho. Do ponto de vista do ambiente, a ciência tem feito o seu trabalho, ofereceu provas incontestáveis de que o clima mudou drasticamente e de que o futuro do planeta está em risco. Aqueles que ainda tentam argumentar contra, perderão em breve a sua última gota de credibilidade. E do ponto de vista social, as assimetrias viram-se ainda mais agravadas com a pandemia. O último relatório da Oxfam é um grito de alerta sobre as crescentes desigualdades sociais.

A consciência destas realidades e o reconhecimento da insustentabilidade do planeta estão globalmente aceites, e os fenómenos da globalização e das novas tecnologias continuarão a incrementar essa consciência.

Neste contexto, as empresas têm um papel fundamental a desempenhar, no sentido em que têm os recursos, capacidades e processos para operar as mudanças necessárias.

O que nos leva à pergunta chave para o envolvimento definitivo das empresas: existe de facto um Business Case para uma aposta estratégica na sustentabilidade?

Como em qualquer Business Case a criação de valor tem de resultar de menor custo, aumento de preço ou aumento de volume. Ou, no mínimo, que com esse Business Case se evite a destruição de valor, sobretudo quando está em risco a reputação da empresa.

Sobre a relação direta entre estratégia de sustentabilidade e melhores resultados, há cada vez mais estudos credíveis que o provam. E se há gestores que ainda o duvidam, resta uma única questão: qual é a visão longo prazo em que acreditamos? Que probabilidade atribuímos a um cenário de um consumidor e cidadão cada vez mais disponível para acompanhar (leia-se: para comprar e recomendar) empresas que genuinamente se preocupem com estes temas?

Se atribuirmos uma alta probabilidade a esse cenário futuro então tudo ganha claridade. Claridade que os grandes investidores já têm, que a gestão das grandes empresas já tem, e com isso arrastarão todo o ecossistema das pequenas e medias empresas que gravitam â sua volta. No futuro, a criação de valor só será sustentadamente conseguida quando os interesses de todos os stakeholders relevantes forem tidos em conta na definição da estratégia de empresa. A atual preocupação quase exclusiva com o interesse dos acionistas tenderá a esbater-se.

Estes novos desafios significam que os clientes (e stakeholders em geral) não estarão disponíveis simplesmente para comprar produtos e serviços, mas sim para comprar produtos e serviços sustentáveis (no sentido holístico do conceito).

Temos um sério problema de liderança política em todo o mundo (com poucas exceções), é difícil continuar a acreditar que governos e políticos serão capazes de inverter este trajeto e ritmo nefasto. Chegou a hora para os consumidores depositarem a confiança e esperança em líderes e empresas “responsáveis”. Estudos de mercado indicam uma tendência dos consumidores para comprar produtos e serviços de empresas que reconhecidamente estejam a fazer a diferença na sustentabilidade. E este círculo virtuoso irá capacitar cada vez mais essas empresas para impulsionar a agenda de sustentabilidade.

Parafraseando algo já ouvido algures: “Se as empresas não se transformarem em empresas social e ambientalmente mais responsáveis porque é o melhor para o mundo em que vivemos, então devem fazê-lo porque é o melhor para os seus negócios

Como várias vezes refiro, é evidente que sem lucro dificilmente haverá algum tipo de preocupação social e ambiental, mas o que é cada vez mais inegável é que se não houverem essas preocupações dificilmente haverá lucro no futuro. E é esta questão típica do “ovo e da galinha” que torna atualmente o desafio da gestão mais complicado. Sem lideranças que o entendam, as empresas dificilmente sobreviverão.

Nuno Moreira da Cruz, professor e diretor executivo do Center for Responible Business & Leadership na Universidade Católica Lisbon

Fonte: Store Magazine

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