segunda-feira, 18 setembro 2023 15:34

Joana Pais: Não deixar para amanhã o que podemos fazer hoje

Um dos grandes sucessos da economia comportamental é o programa “Save More Tomorrow” criado pelos economistas Richard Thaler e Shlomo Benartzi, com o objetivo de levar trabalhadores norte-americanos a aderir a planos de poupança-reforma, decisão muitas vezes adiada ou desprezada, e a aumentar as suas taxas de poupança.

O programa funciona através da combinação de três ideias fundamentais da economia comportamental: as pessoas têm tendência para procrastinar, são avessas à perda e sofrem de inércia.

De facto, tendemos automaticamente a pensar no momento presente, por vezes, à custa do futuro. Somos impulsivos e procuramos retornos imediatos, enquanto negligenciamos ou mesmo prejudicamos o nosso bem-estar de longo prazo. Para contrariar esta tendência, no momento de adesão ao “Save More Tomorrow”, os trabalhadores assumem o compromisso de economizar mais no futuro, não no presente. Decidir hoje o que acontecerá amanhã permite eludir o enviesamento pelo presente de que todos sofremos e, assim, evitar a procrastinação.

Por outro lado, o programa prevê que acréscimos planeados das taxas de poupança estejam sempre associados a aumentos salariais futuros, impedindo que se verifiquem reduções no salário líquido. Assim se minimiza a aversão à perda, de acordo com a qual uma perda tem um impacto psicológico muito maior do que um ganho do mesmo valor.

Por fim, o programa é apresentado como uma opção-padrão, funcionando em regime de opt-out. Enquanto a adesão ao programa é facilitada ou mesmo automática, os trabalhadores têm de, explicitamente, requerer a não participação através do preenchimento de um formulário. Esta característica permite aproveitar alguma inércia de que todos somos vítimas.

O “Save More Tomorrow” foi inicialmente testado no seio de uma empresa, levando os seus trabalhadores a poupar, em média, quatro vezes mais do que antes da sua implementação. Perante estes resultados, foi consagrado no “Pension Protection Act” de 2006, o que levou muitas empresas a adotar os seus princípios fundamentais. De acordo com os dados mais recentes, estima-se que o programa tenha ajudado mais de quinze milhões de norte-americanos a aumentar, de forma significativa, a sua taxa de poupança.

Este sucesso mostra como a economia comportamental pode ser usada para melhorar a tomada de decisões financeiras. Mas, o alcance desta abordagem é muito vasto, podendo ser aplicada em outras áreas da vida, como a saúde, a educação e o meio ambiente, onde podemos incentivar comportamentos alinhados com objetivos de longo prazo, bem como no domínio das políticas públicas e, naturalmente, no mundo do marketing e, de forma mais geral, no mundo da gestão. Na verdade, muito antes de se falar nesta área da economia, algumas das suas ideias já eram usadas pelos profissionais do marketing. Planos de pagamento em prestações ou campanhas promocionais como “leve dois e pague um” são há muito amplamente utilizadas – não na sequência de estudos científicos que tenham mostrado que as pessoas não se comportam de forma racional quando pensam nas consequências futuras das suas ações ou que preferem receber um produto supostamente gratuito a um desconto de preço equivalente, mas porque funcionaram. Entretanto, a economia comportamental ofereceu explicações para estas evidências. No caso do sucesso dos planos de pagamento em prestações e de outros mecanismos que permitem aos consumidores adiar um pagamento, que podem aumentar drasticamente a vontade de comprar, uma justificação oferecida é justamente a aversão à perda. Os pagamentos, como todas as perdas, são profundamente desagradáveis. Mas, as emoções vividas no presente são especialmente importantes. Mesmo pequenos atrasos no pagamento podem suavizar a dor imediata de nos desfazermos do nosso dinheiro e remover uma importante barreira à compra. Outro domínio no qual as ferramentas da economia comportamental são imprescindíveis é a gestão dos recursos humanos, seja no processo de recrutamento, na retenção e avaliação do capital humano ou na promoção do bem-estar dos trabalhadores. Sabemos, por exemplo, que o salário está longe de ser a única explicação para as decisões que tomamos relativamente a trabalho. Também somos movidos pelo seu significado, pelo reconhecimento dos outros e pela quantidade de esforço que colocamos nas tarefas que executamos: muitas vezes, quanto mais difíceis, mais orgulhosos ficamos. O sentimento de realização e conquista, de identificação com a organização, a ligação aos colegas de trabalho, a competição, a perceção de progresso são dimensões críticas valorizadas e procuradas pelos trabalhadores. Ignorar estas dimensões pode pôr tudo a perder. Mas, pese embora a liderança inadvertida do marketing no uso dos princípios da economia comportamental, em Portugal poucas empresas os utilizam de maneira sistemática na venda de produtos e serviços, à semelhança do que acontece na gestão de recursos humanos e em outros domínios. E, no entanto, a economia comportamental oferece um conjunto de ferramentas rico para compreender o comportamento dos consumidores, dos colaboradores e de outros stakeholders de empresas e organizações. Combina a teoria económica neoclássica, que parte do pressuposto de que os agentes económicos são puramente racionais e dotados de preferências estáveis e consistentes, com a psicologia e outras ciências comportamentais, assumindo que existem erros sistemáticos que as pessoas cometem regularmente na tomada de decisão e que a racionalidade, a força de vontade e o interesse próprio são limitados. A economia comportamental reconhece que cada organização tem as suas próprias idiossincrasias e que não há receitas únicas de sucesso. E, assim, na época de big data, a economia comportamental também ensina a importância de small data, de realizar experiências controladas, através da criação de grupos de teste e de controlo, para pôr à prova políticas de preços, técnicas de recrutamento, esquemas de incentivos, mecanismos vários e os chamados nudges (ou “pequenos empurrões,” soluções de baixo custo para problemas complicados). Muitas empresas estrangeiras estão já cientes da importância da economia comportamental e experimental. O recurso a consultadoria especializada nesta área é já comum, o que, aliás, é atestado pela profusão de empresas que fornecem estes serviços na área comportamental. Em Portugal, ainda estamos a dar os primeiros passos. Seria importante não deixar para amanhã o que podemos – e devemos - fazer hoje!

Joana Pais, economista e professora de Economia no ISEGLisbon School of Economics and Management

Fonte: Store Magazine

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